Marcas de luxo na China: os bastidores fiscais por trás da etiqueta

A recente divulgação de que grifes de luxo produzem parte de seus itens na China, apesar de manterem preços elevados em mercados como Europa e Estados Unidos e colocarem tags que indicam “made in Italy”, por exemplo, reacendeu o debate sobre transparência fiscal, planejamento tributário e responsabilidade contábil internacional.

Segundo a contadora tributarista, professora universitária e colunista do Portal Contábeis, Camila Oliveira, as marcas de alto padrão utilizam estratégias sofisticadas para otimizar seus lucros globais, ao mesmo tempo em que buscam reduzir custos operacionais e tributários.

De acordo com Oliveira, muitas marcas de luxo produzem na China para aproveitar os custos mais baixos e incentivos fiscais locais, mas realizam a etapa final de montagem ou acabamento na Europa ou nos EUA, o que permite o uso de selos como “Made in Italy” ou “Made in USA” — agregando valor à marca e, em alguns casos, evitando tarifas adicionais.

Além disso, as empresas utilizam preços de transferência, prática contábil que ajusta os valores de venda entre filiais localizadas em diferentes países. 

“Isso permite concentrar os lucros em países com impostos mais baixos e registrar os custos onde a tributação é mais alta, reduzindo o impacto fiscal geral do grupo”, explica a especialista.

Falta de transparência pode gerar riscos fiscais e reputacionais

A especialista também alerta que a omissão da real origem da produção pode ser considerada uma violação contábil e fiscal, especialmente à luz das normas internacionais de contabilidade (IFRS) e dos princípios de compliance tributário.

“Empresas que não informam com clareza onde os produtos são fabricados correm o risco de violar princípios como transparência, integridade e responsabilidade corporativa”, afirma Camila.

Entre os riscos reais dessa prática, destacam-se:

  • Violação do princípio contábil de disclosure, com omissão de informação relevante;
  • Sanções de órgãos reguladores, incluindo multas e autuações fiscais;
  • Prejuízos à reputação, que podem levar a boicotes de consumidores e perda de confiança do mercado.

Com o avanço das práticas ESG (ambiental, social e de governança), investidores e consumidores exigem mais responsabilidade nas cadeias de produção, o que pressiona as marcas a adotarem uma postura mais transparente.

Como os governos podem reagir?

Governos da Europa e dos Estados Unidos vêm adotando medidas para responder à terceirização massiva da produção para países com regimes mais flexíveis, como a China.

Segundo a contadora tributarista, uma das estratégias tem sido o aumento de tarifas sobre produtos importados, como ocorreu durante a guerra comercial entre EUA e China. Outro caminho é o reshoring, que incentiva empresas a trazerem suas fábricas de volta ao território nacional, com benefícios fiscais e subsídios.

Além disso, o avanço de acordos internacionais como o da OCDE, que estabelece uma alíquota mínima global de imposto corporativo, busca reduzir a transferência artificial de lucros para paraísos fiscais, promovendo maior equilíbrio na competição entre países.

Por fim, a discussão em torno das marcas de luxo produzidas na China ultrapassa o aspecto da percepção do consumidor. Envolve, sobretudo, questões contábeis, fiscais e regulatórias que impactam diretamente a credibilidade das empresas, a conformidade internacional e a estrutura de arrecadação dos países.

Com a pressão por transparência e responsabilidade fiscal cada vez maior, as marcas precisarão repensar suas estratégias globais, não apenas para preservar a imagem, mas também para evitar riscos legais e manter a confiança do mercado.

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