A reforma tributária no Brasil, consolidada por meio da unificação de tributos como ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins em um modelo de Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual [1], inaugura uma nova era na administração fiscal do país. A transformação planejada para simplificar e modernizar o sistema tributário deve ser conduzida com atenção rigorosa aos limites constitucionais, sendo fundamental garantir, que os princípios fundamentais sejam preservados, respeitada a autonomia federativa e assegurada a segurança jurídica em todas as etapas de sua implementação.
Os princípios constitucionais tributários são o alicerce para a legitimidade do novo modelo, tendo a legalidade tributária, prevista no artigo 150, inciso I, da Constituição Federal, estabelecendo que nenhum tributo pode ser exigido ou aumentado sem que haja lei que o determine, princípio que, além de assegurar transparência e previsibilidade, limita o poder estatal ao impor que o sistema tributário se baseie em normas formalmente aprovadas pelo Legislativo. Havendo também o princípio da capacidade contributiva, por sua vez, consagrada no artigo 145, § 1º da Carta Maior, exigindo que a carga tributária seja proporcional à riqueza do contribuinte, assegurando justiça fiscal e mitigando os impactos sobre os economicamente vulneráveis.
Além disso, a Constituição Federal, no princípio da igualdade, previsto no artigo 150, inciso II, determina que contribuintes em situações semelhantes sejam tratados de maneira equitativa, evitando discriminações ou privilégios injustificados. Já a vedação ao confisco, prevista no artigo 150, inciso IV, garante que a tributação não ultrapasse os limites razoáveis, respeitando o equilíbrio entre a arrecadação e a preservação do patrimônio dos cidadãos. E, por fim, a irretroatividade, inscrita no artigo 150, inciso III, alínea “a”, impede que leis tributárias sejam aplicadas a fatos geradores ocorridos antes de sua vigência, protegendo a segurança jurídica e o planejamento dos contribuintes.
Um dos maiores desafios impostos pela reforma é a preservação do pacto federativo, e com a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) , de competência estadual e municipal, e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) , de competência federal, com o esforço de manter a autonomia dos entes subnacionais. Entretanto, a transição para esse modelo, que se estenderá até 2033, poderá gerar conflitos administrativos e políticos, especialmente na distribuição das receitas e na definição de alíquotas conjuntas, sendo imprescindível que os mecanismos de cooperação sejam fortalecidos para evitar disputas e promover a harmonia fiscal entre os entes.
Importante frisar que a segurança jurídica também desempenha um papel central nesse processo de implementação. Muito embora a transição gradual seja uma medida positiva, ela deve ser acompanhada de normas claras e amplamente divulgadas, e a previsibilidade nas mudanças se torna essencial para reduzir os impactos econômicos e a litigiosidade que possam surgir. Entre elas, medidas como a devolução de tributos às famílias de baixa renda, que são fundamentais para reforçar a percepção de justiça fiscal, mas a clareza nas regras e prazos de adaptação é indispensável para consolidar a confiança no novo sistema.
Além do que, a reforma tributária afeta setores específicos da economia, como o mercado digital e o comércio internacional, e havendo a simplificação prometida pelo novo modelo, poderá alinhar o Brasil aos padrões globais de competitividade. Contudo, é essencial evitar lacunas regulatórias que possam prejudicar a aplicação uniforme das normas, sendo necessário o fortalecimento de regulamentações claras e a definição precisa de competências entre União, estados e municípios, cruciais para que a reforma promova um ambiente de negócios favorável e incentivador de inovação.
Ademais, o êxito da reforma dependerá da capacidade de integração entre as administrações tributárias federal, estadual e municipal, com investimentos em tecnologia e capacitação de servidores, indispensáveis para viabilizar o funcionamento do sistema e garantir uma fiscalização eficiente, não se esquecendo do Supremo Tribunal Federal, que terá um papel relevante na fiscalização das normas, assegurando que o novo modelo respeite os preceitos constitucionais e protegendo os direitos fundamentais dos contribuintes.
Por fim, a reforma tributária aprovada no Brasil representa um avanço significativo, mas sua implementação exigirá maturidade institucional e compromisso com a Constituição. Respeitar os princípios fundamentais, promover a justiça fiscal e garantir a segurança jurídica são condições indispensáveis para que o novo sistema alcance seus objetivos, pois mais do que uma modernização administrativa, a reforma carrega o potencial de transformar o sistema tributário em um instrumento de desenvolvimento econômico e social, consolidando um modelo mais justo e eficiente.
[1] Dividido em dois componentes principais: CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços): âmbito federal que substituirá o PIS (Programa de Integração Social) e a Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), e, IBS (Imposto sobre Bens e Serviços): subnacional que substituirá o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), de competência estadual, e o ISS (Imposto sobre Serviços), de competência municipal.