Justiça do Trabalho e Modelos Internacionais: Por que o Brasil lidera em ações e o que os outros países fazem diferente

Introdução

No Brasil, falar em Justiça do Trabalho é quase sinônimo de volume:

São milhões de ações todos os anos, empresas lidam com processos como parte da rotina. Muitos trabalhadores só conhecem seus direitos quando o vínculo termina — e, mesmo assim, termina mal.

Mas será que esse cenário se repete no mundo todo? Outros países também têm uma Justiça do Trabalho robusta como a nossa? Ou estamos, de fato, diante de um modelo único que precisa ser revisitado?

Neste artigo, vamos entender por que o Brasil é campeão em litígios trabalhistas e o que podemos aprender com as estruturas e práticas de outros países.

1. O modelo brasileiro: Justiça do Trabalho em três instâncias

O Brasil possui uma das estruturas mais complexas e organizadas do mundo para lidar com conflitos trabalhistas. A Justiça do Trabalho é especializada e tem três níveis:

  • Vara do Trabalho (VT): Primeira instância. É aqui que o processo começa, com um juiz do trabalho julgando o caso individual.
  • Tribunal Regional do Trabalho (TRT): Segunda instância, onde são julgados os recursos contra decisões da VT.
  • Tribunal Superior do Trabalho (TST): Terceira instância, responsável por uniformizar a jurisprudência em todo o país.

Esse modelo, embora eficiente em termos de acesso à justiça, também reflete a alta judicialização das relações de trabalho, com milhões de processos novos todos os anos.

2. A cultura do litígio: risco calculado e informalidade

No Brasil, ainda é comum o empresário tratar ações trabalhistas como parte do “risco do negócio”. Muitos preferem postergar o cumprimento de obrigações — e negociar apenas quando o problema se transforma em processo.

Essa cultura litígio-dependente é alimentada por:

  • Falta de compliance preventivo nas empresas;
  • Baixo nível de educação trabalhista no ambiente corporativo;
  • Incentivos à judicialização (que começaram a ser reduzidos com a Reforma Trabalhista de 2017).

3. E fora do Brasil? O que os outros países fazem diferente?

Muitos países possuem sistemas bem distintos, que priorizam mediação, negociação coletiva ou arbitragem antes de judicializar.

Exemplos:

  • Alemanha: tribunais especializados, com forte atuação de conselhos de trabalhadores.
  • França: conselhos de prud’hommes com juízes leigos e representantes dos trabalhadores.
  • EUA: disputas são resolvidas em tribunais civis ou por arbitragem privada.
    Reino Unido: Employment Tribunals, com foco em conciliação.
  • Japão: a maioria das disputas é resolvida dentro da própria empresa ou por conciliação.
  • Argentina e Chile: estruturas parecidas com a brasileira, mas com ênfase em acordos.

4. Efeito coletivo: decisões que valem para todos (menos aqui)

Em vários países, uma decisão judicial pode se estender automaticamente para todos os trabalhadores da mesma empresa ou categoria.

No Brasil, isso não é regra. Cada trabalhador precisa entrar com sua própria ação. Mesmo que uma decisão tenha sido repetida várias vezes, ela não se aplica automaticamente a todos os empregados, exceto em ações civis públicas ou precedentes vinculantes.

Esse modelo individualista favorece:

  • O acúmulo de processos semelhantes;
  • A prática empresarial de considerar ações trabalhistas como risco calculado, e não como falha de gestão.

5. O que podemos aprender com os outros países

Mais do que apontar defeitos, é hora de olhar para fora e refletir:

  • O que torna outros modelos mais eficientes?
  • Como países com menos estrutura judicial conseguem resolver conflitos com mais agilidade?
  • E por que o compliance trabalhista ainda é visto como “despesa extra” no Brasil, enquanto lá fora é um pilar da governança corporativa?

Não é a Justiça do Trabalho o problema.  É a cultura que criamos em torno dela.

6. Caminhos possíveis para o Brasil

Para avançarmos, é preciso:

  • Fortalecer a cultura de prevenção e diálogo;
  • Incentivar conciliações extrajudiciais reais (e não simuladas);
  • Valorizar a negociação coletiva com responsabilidade;
  • Investir em educação trabalhista para gestores e empregados;
    Ampliar a atuação de compliance trabalhista e auditorias internas.

7. E a tal da meritocracia? Existe mesmo?

Outro ponto que merece reflexão é o uso da palavra “meritocracia” em ambientes corporativos — muitas vezes, como argumento para justificar ausência de planos, promoções ou salários melhores. Mas será que essa meritocracia de fato existe?

No Brasil, ainda é comum ver empresas que mal cumprem o que está previsto nas Convenções ou Dissídios Coletivos, e que esperam passivamente “o sindicato negociar” — em vez de propor Acordos Coletivos (ACTs) mais aderentes à sua realidade.

Fala-se em meritocracia, mas não se cumpre nem o mínimo negociado coletivamente. Como falar em ‘mérito’ sem base, sem plano, sem justiça?

Talvez ainda estejamos usando palavras bonitas para disfarçar gestões mal estruturadas.

Conclusão

O Brasil tem, sim, uma das justiças trabalhistas mais organizadas do mundo — mas também uma das mais sobrecarregadas. O que falta não é estrutura. Falta cultura preventiva, maturidade corporativa e gestão estratégica das relações de trabalho.

Enquanto tratarmos ações trabalhistas como “normais”, continuaremos longe de modelos que funcionam lá fora.

“Justiça que resolve é boa. Mas gestão que evita, é melhor ainda.”

Antes de exigir meritocracia, talvez seja hora de exercitar a coerência.

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